quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Os escaravelhos e o 25nov

Os escaravelhos ou besouros do esterco levaram 50 anos a enrolar a bosta até chegar à AR

Chega m com meio-século de atraso, há os que se deleitam com o fedor e, mesmo quem venha ajudando a enrolar o excremento, meio-século espiando a oportunidade para entregar a ideologia que os sustenta.

 

OS RICOS NUNCA PERDEM A JOGADA

Os ricos nunca perdem a jogada

Nunca fazem um erro. Espiam

E esperam os erros dos outros

Administram os erros dos outros

São hábeis e sábios

Têm uma larga experiência do poder

E quando não podem usar a própria força

Usam a fraqueza dos outros

Apostam na fraqueza dos outros

E ganham

Tecem uma grande rede de estratagemas

Uma grande armadilha invisível

E devagar desviam o inimigo para o seu terreno

Para o sacrificar como um toiro na arena.

 

Sophia de Mello Breyner Andersen

 em Os Gracos I Acto II Cena


A COERÊNCIA DE SEMPRE

"O Novembro que Abril não merecia", do prof d...

terça-feira, 19 de novembro de 2024

António Ramos Rosa (poema dedicado a Vasco Gonçalves)


DAQUI DESTE DESERTO EM QUE PERSISTO


Nenhum ruído no branco.
Nesta mesa onde cavo e escavo
rodeado de sombras
sobre o branco
abismo
desta página
em busca de uma palavra

escrevo cavo e escavo a cave desta página
atiro o branco sobre o branco
em busca de um rosto
ou folha
ou de um corpo intacto
a figura de um grito
ou às vezes simplesmente uma pedra

busco no branco o nome do grito
o grito do nome
busco
com uma fúria sedenta
a palavra que seja
a água do corpo a corpo
intacto no silêncio do seu grito
ressurgindo do abismo da sede
com a boca de pedra
com os dentes das letras
com o furor dos punhos
nas pedras

Sou um trabalhador pobre
que escreve palavras pobres quase nulas
às vezes só em busca de uma pedra
uma palavra
violenta e fresca
um encontro talvez com o ínfimo
a orquestra ao rés da erva
um insecto estridente
o nome branco à beira da água
o instante da luz num espaço aberto

Pus de parte as palavras gloriosas
na esperança de encontrar um dia
o diadema no abismo
a transformação do grito
num corpo
descoberto na página do vento
que sopra deste buraco
desta cinzenta ferida
no deserto.

Aqui as minhas palavras são frias
têm o frio da página
e da noite
de todas as sombras que me envolvem
são palavras
são palavras frágeis como insectos
como pulsos
e acumulo pedras sobre pedras
cavo e escavo a página deserta
para encontrar um corpo
entre a vida e a morte
entre o silêncio e o grito

Que tenho eu para dizer mais do que isto
sempre isto desta maneira ou doutra
que procuro eu senão falar
desta busca vã
de um espaço em que respira
a boca de mil bocas
do corpo único no abismo branco

sou um trabalhador pobre
nesta mina branca
onde todas as palavras estão ressequidas
pelo ardor do deserto
pelo frio do abismo total

Que tenho eu para dizer
neste país
se um homem levanta os braços
e grita com os braços
o que mais oculto havia
na secreta ternura de uma boca
que era a única boca do seu povo
Que posso eu fazer senão
daqui
deste deserto
em que persisto
chamar-lhe camarada



António Ramos Rosa

(poema dedicado a Vasco Gonçalves)


sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Semiótica da Pandemia III

 

Semiótica da Pandemia III

O grande circo das “mudanças” e das “pressas”.

“Quizá no sea mucho lo que pueda hacerse con unas líneas de protesta y denuncia pero mucho se hace no permitiendo que gane el silencio.”

Por Fernando Buen Abad Domínguez 

Hábitos, costumes e tradições (tão aparentemente intocáveis em tempos de “normalidade”) foram “descarrilados” pela força descomunal da crise sanitária, até hoje a maior da história, provocada pelo capitalismo. Casamentos, aniversários, batizados, exéquias… ritos, procissões ou heranças, qual a maior, foram suspensas, modificadas ou adiadas sob os desígnios do Covid-19 e toda a parafernália desencadeada pela irracionalidade do capitalismo e seus “mass media”.

Aqueles que, abraçados aos seus dogmas, juraram nunca faltar aos ritos de sua eleição, ficaram sem missa e sem homilia. Todas as rotinas foram alteradas. “Mudou”, provisoriamente, a catarata dos estereótipos matinais executados (às vezes com orgulho) por pais e filhos ao iniciar o dia apressados em direção ao trabalho ou à escola. “Mudou”, em aparência, o ritual da higiene e vestuário, o penteado, o perfume e a saudação, “Mudou”, momentaneamente, o “ritmo” da rua, o transporte e a sobrevivência entre enxames de carros, comboios e motocicletas. “Mudou” a poluição atmosférica e sonora. Assim será por algum tempo. Tudo mudou para que nada mude?

Onde houve quarentena, obrigatória ou voluntária, houve “mudanças” para gostos e desgostos. Toda a estrutura cultural burguesa sofreu um enorme choque. A monstruosa rotina, fabricada para padronizar a exploração da mão-de-obra, com sua matilha de enganos e lavagens de cérebro cotidianos, foi sensivelmente fissurada. Ficou à vista o grotesco descarnado do capitalismo e os poucos proprietários usurários. (Como no “Feiticeiro de Oz”). Isso explica a “infodemia” desatada para remendar as fissuras do sistema e impedir a visibilidade do sujeito social transformador, para que não se veja o desastre contra si mesmo e do qual ele é cúmplice involuntário. Que não se note o desperdício que continua parecendo progresso, daí a pressa em “voltar à normalidade”.

Tudo enunciado como invencível tremeu abalado pelo “vírus” (de origem acidental ou experimental; algum dia se saberá?). Tudo o que nos venderam como inamovível se desmoronou pela quantidade de infetados e falecidos - o sólido dissolve-se. As “grandes verdades” do establishment tornaram-se baboseiras de tecnocratas que, onde juravam que havia “carência de recursos”, apareceram magicamente como carradas de assistencialismo - o Estado assume o estatuto subsidiário de emergência, antes que se lhe escape das mãos o “controlo” social e se esfume o “estado de direito” burguês. Só o medo ao contágio conteve as massas. Tudo o mais foi exposto. E um vendaval “renovado” de falácias foi desencadeado.

Se, como se costuma dizer, “a verdade nos libertará”... compreende-se por que é ela perseguida, desfigurada e prostituída tão febrilmente nas masmorras ideológicas das oligarquias. As táticas e estratégias das falácias mediáticas foram aperfeiçoadas e são produzidas em série nos mais disfarçados laboratórios de guerra psicológica. Alguns chamam-se “noticiários”. E mentem-nos de amanhã à tarde e à noite, sob o abrigo, inclusive, de empresas e governos de países “democráticos”. Há que pôr ponto final nisto.

1. Falta à verdade o jornalismo que se deleita nas consequências e não explica as causas.

2. Falta à verdade o jornalismo que sobrepõe a sua opinião à evolução dos factos.

3. Falta à verdade o jornalismo que alinha com as agendas dos poderosos contra os fracos.

4. Falta à verdade o jornalismo que sustenta calúnias para granjear dinheiro e/ou simpatias.

5. Falta à verdade o jornalismo empenhado em lisonjear os interesses de cúpula e ignorar os testemunhos dos povos.

6. Falta à verdade o jornalismo que se rende à “devida obediência” ante injustiças editoriais.

7. Falta à verdade o jornalismo que coloca o capital acima dos seres humanos.

8. Falta à verdade o jornalismo que não é solidário com as lutas emancipadoras dos povos.

9. Falta à verdade o jornalismo que não denuncia os interesses de saqueio aos recursos naturais dos povos.

10. Falta à verdade o jornalismo que é indiferente à exploração dos trabalhadores em todo o mundo.

 Estamos infestados com enxurradas de afirmações imprecisas, de credibilidade paupérrima, próximas da calúnia, referentes à situação atual do mundo e à pandemia. A verdade está submetida a um bloqueio económico demencial, a sanções ideológicas imperiais e uma algazarra demagógicas em defesa da “liberdade de expressão” burguesa. Nos noticiários de todo o tipo, fabricam-se infâmias descomunais que fazem inveja às piores calúnias de Miami. Nenhum rigor informativo, sondagens adquiridas em fontes de direita e um “tonzinho” de superioridade que parece ter esquecido a situação de emergência a que está sendo submetida a humanidade por culpa do capitalismo. Alguém duvida?

Esse “jornalismo de guerra” também “pandémico” deve ser repudiado. O clã dos monopólios mundiais já se está preparando e tem no forno centenas de novas “Fake News”, e bem cedo as teremos ao pequeno-almoço. É muito provável que aos diretores notícias lhes agrade a usurpação e ingerência, seja do que for, desde que ajudem voluntariamente a aprofundar a agressão imperial contra a espécie humana sem o mínimo de respeito pela soberania dos povos e na intervenção na vida política de cada país, embora o disfarcem como “notícias internacionais”.

Na fase atual da pandemia (se alguém sabe qual é que avise), a “informação” copia os formatos de uma imprensa que em nada faz jus às melhores tradições jornalísticas. Pelo contrário avilta-as. Não sejamos cúmplices. Talvez não seja muito o que se pode fazer com algumas linhas de protesto e denúncia, mas muito se faz não permitindo que vença o silêncio, nem a impunidade. Não devemos aceitar o despudor oligarca quando exibe falácias perigosas como se fossem verdades preciosas. Somos os indicados para os denunciar, não esquecendo de comentar e compartilhar, desterrando os vícios históricos e as deficiências nos nossos modos e meios de produção informativa. Que o silêncio não nos conquiste.

Dr. Fernando Buen Abad Domínguez

Director del Instituto de Cultura y Comunicación

y Centro Sean MacBride

Universidad Nacional de Lanús

Miembro de la Red en Defensa de la Humanidad 

Miembro de la Internacional Progresista

Miembro de REDS (Red de Estudios para el Desarrollo Social)

 

 

Os escaravelhos e o 25nov

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